Interitus

As vezes eu fico observando as pessoas indo e vindo, seguindo o rastros de seus compromissos em seus caminhos decorados e imutáveis mesmo quando existe alguma perturbação. Vejo essas pessoas se arrastando pela inércia de suas obrigações como se fossem escravos de suas próprias escolhas. Poucos são os que sentem satisfação por estarem onde estão, a maioria apenas faz o que deve fazer. São meras engrenagens lubrificadas pela rotina!
Somos todos parte de um imenso que nos cabe, mas que não nos pertence; pequenos fragmentos substituíveis apaixonados pela ilusão de que somos únicos de nossa própria forma. Que ingenuidade... Nós não passamos de egos adestrados!
Todos os dias somos instruídos sobre como agir, como nos vestir, o que comer, o que fazer, o que pensar... Somos aterrorizados pela mídia que deveria ser informartiva, mas que só serve para nos deixar com medo de tudo. Medo de sair na chuva, medo de viajar de avião, medo de ser assaltado, medo da polícia, do político, do cachorro... Medo.
Depois somos acalmados por novelas e programas frívolos que ou demonstram realidades hipotéticas controladas por enredos, ou realidades impossíveis editadas de tal forma que uma semana pode ser resumida em uma hora. E muito, muito consumismo; para cada medo existe um produto. O triste é que nós escolhemos isso!
Passamos tanto tempo através das gerações aceitando a televisão como uma janela para o mundo, que nos adaptamos a ela de forma comportamental e cognitiva. Nós não apenas fazemos tudo que vemos na TV, nós também pensamos como se fôssemos uma emissora.
Observe o seguinte; quando surgiram as redes sociais, tínhamos em nossas mãos uma oportunidade significativa de fazer a diferença. Poderíamos dizer o que de fato pensamos e queremos, fazer valer nossas verdades, aprender e evoluir, ter acesso a informações, compartilhar experiências... Mas o que fizemos? Transformamos nossos perfis em um acumulado de futilidades!
Hoje cada timeline é um canal de TV: noticias falsas, fofocas, intrigas, fotos de gatinhos, de pratos de comida, vídeos de atrocidades, exaltação de crimes e criminosos, propagação do frívolo e do dispensável... E qual o maior anseio? Popularidade/ibope.
E se fazemos o que nos é recomendado e repetimos o que aprendemos a aceitar, qual o real valor do nosso senso crítico?
Foi-se o tempo em que havia senso crítico!
Para quem não é desse tempo, senso crítico é a capacidade individual de se analisar e questionar assuntos e situações usando a inteligência e a razão para que através desta conduta "filosófica" seja possível encontrar verdades.
O senso crítico, que outrora nos permitia ir além das doutrinas que hoje nos controlam, foi substituído pelo que podemos chamar de senso comum imaturo; um tipo infeliz de fazer parte de algo que não se compreende, tomar como suas opiniões que não se sabe interpretar, defender ideologias que não representam ninguém e se sentir conectado sem reconhecer um alguém que seja.
Infelizmente essa é uma realidade difícil de ser aceita e reconhecida, visto que está enraizada de forma absolutamente confortável dentro da patética ilusão de desenvolvimento humano que nos convence dia após dia de que somos indivíduos mais evoluídos do que eram nossos pais e avós.
É bem verdade que tudo isso começou justamente com estes que julgamos serem menos capazes do que nós, mas é também ridícula nossa incapacidade de perceber a necessidade gritante de mudança, tanto de comportamento quanto de pensamento.
Quando eu observo aquelas pessoas que vão e vem, vejo-as aprisionadas numa realidade intangível, conectadas num mundo virtual, vivendo vidas irreais e tão satisfeitas por isso, que não me resta outro pensamento senão o de que de uma forma bizarra, transformamos as inovações tecnológicas em sinônimo de evolução da espécie.
Aquelas pessoas acreditam serem superiores às gerações anteriores por serem capazes de acessar tudo, encontrar todos e saber de tudo simplesmente por terem um celular em suas mãos. E isso é tão vergonhoso que em alguns momentos eu aceito a ideia de que temos justamente o que merecemos.
O ser humano nunca foi tão tapado!
Nós não estamos evoluindo, estamos regredindo, estamos nos transformando em um tipo de criatura artifical e programável que se respalda no ego para se sentir atuante. Estamos comprando e vendendo atitudes como se o comportamento fosse uma tendência que se adequa e não uma referência que constrói.
Estamos atolados em uma sociedade que não compreendemos e tentamos nos encaixar de qualquer forma, principalmente se esse "encaixe" gerar algum tipo de reação despadronizada que represente uma ruptura nos limites e na ordem que hoje são considerados "freios" para a liberdade do indivíduo. Liberdade...
E o que é liberdade dentro de uma sociedade onde tudo pode, tudo é permitido, tudo é aceitável? O que é liberdade quando toda contradição, toda negação é apenas uma representação patética da nossa própria intolerância?
A real liberdade é uma sensação que só pode ser sentida por aqueles que em algum momento não foram livres!
Observe que as maiores críticas quanto a isso estão justamente relacionadas ao comportamento e ao discurso; fazer o que quiser; dizer o que pensar. E se o nosso comportamento é adestrado por tendências que adoramos seguir e o nosso discurso é uma repetição do que nos agrada, não somos então prisioneiros da sugestão?
E talvez digam que a liberdade está em poder escolher seguir ou não, mas como os assim livres julgam os que escolhem o contrário? Se eu sou livre para seguir ou não, se me condenam por eu ser diferente da maioria, torno-me então vítima e se a sociedade é regida por conceitos de um plural estabelecido, quando me torno vítima e me defendo, passo a ser algoz.
Penso que a liberdade só será realmente presente quando houver aceitação natural, neutra, livre.
A aceitação que provamos hoje é uma ridícula tentativa de esconder erros que carregamos sem ter cometido. Os costumes que nos trouxeram até aqui e que sempre regaram nosso desenvolvimento nos causam recusa e para garantir que somos melhores do que nos criaram para ser, mentimos e fingimos adoração e respeito. Há hipocrisia em todas as políticas de comportamento tolerante que gritamos o tempo todo. Mas isso é cansativo e de fácil percepção de fracasso. Não vai demorar para nós tornemos enojados de tanta falsidade, e o que vai acontecer então?
O mesmo de sempre; vamos narrar nossos discursos hipócritas fingindo ter estado sempre a favor da manutenção dos costumes. Vamos vangloriar as mudanças e apontar com julgamento crítico tudo aquilo que no fundo sabemos ser patético.
Quanto tempo perdido, quanto potencial desperdiçado, quanto atraso nesse período de "degustação" da estupidez!

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