Capítulo 1 - Cada vez que respiramos.
A vida, ávida pelas realizações do tempo, é um acumulado de histórias que escrevemos enquanto passamos por ela.
Mas o tempo é apenas um instante que decidimos mensurar para que não nos sintamos tão pequenos diante dos muitos infinitos que existem ao redor.
E as histórias que contam nosso tempo pela vida, são apenas ecos dos infinitos pequenos momentos em que fomos de fato alguma coisa.
Quando a vida se encerra o que resta de nós são as cicatrizes da nossa existência num tempo que já não existe mais, que passou como passou o segundo antes deste. Eis então que a vida é na verdade o passado de um presente de incertezas que segundo a segundo constrói um futuro que também não existe, mas que toma forma exatamente no momento em que estamos prestes a reconhecer a realidade do momento em que nos encontramos. E é dentro dessa construção pela desconstrução que nós podemos realmente dizer que somos, que existimos.
A vida meus caros, não é essa sucessão de ações e reações que nos responde com consequências posteriores às escolhas que tomamos. A vida é uma inércia descontrolada que apenas nos permite a ilusão de que estamos aqui. A verdade é que estamos apenas de passagem!
Nós somos fruto de uma frenética transformação e a cada vez que respiramos nos tornamos um ser diferente. E se não fosse pelo apego e pelos costumes, seríamos capazes de compreender que no fundo somos todos estranhos uns aos outros e que é por mera formalidade que nos aceitamos como indivíduos semelhantes. E que é por medo da solidão e do esquecimento que nos fazemos aceitar.
Pergunte-se; existe alguém que me conheça por completo? Existe alguém que saiba da minha totalidade? Eu mesmo sei de mim plenamente?
Somos dependentes da participação, queremos fazer parte de algo, pois isso comprova nossa existência e nos permite certo valor. Mas se precisamos estar, quanto realmente podemos ser?
Muito pouco, e é justamente por essa pequena possibilidade de ser que passamos a maior parte do nosso pouco tempo fazendo mediações e concessões para vivermos numa sociedade de indivíduos carentes e deprimentes apaixonados pela ideia de felicidade. Somos obcecados pela felicidade como se feliz fosse o grande prêmio da existência humana.
Mas a felicidade, como todo vício, age em nós muito rapidamente e o que nos resta são os reflexos de um instante mínimo que tentamos manter em sensibilidade pelo maior tempo possível. Somos tão dependentes da felicidade que nos esforçamos ao máximo para extrair até a última gota desse elixir mundano que nos faz sorrir pela contemplação de acontecimentos efêmeros.
Leva-se muito tempo, as vezes vidas inteiras para se compreender que a felicidade verdadeira vive nos singelos acontecimentos onde a vontade e a satisfação se equilibram nos intervalos decisivos de nós mesmos. Não é possível programar, agendar, solicitar a felicidade. Os momentos em que podemos ser felizes são incontroláveis!
Em virtude das inúmeras adaptações que fizemos em nossa natureza para que pudéssemos nos acumular em grupos e viver em sociedade, adotamos comportamentos orientados e ideias sugeridas como regras básicas para corresponder nossos anseios que são "efeitos colaterais" desse estilo de existência. Fomos condicionados pela história de nós mesmos a acreditar que existem padrões que resultam em sucesso, felicidade, equilíbrio e longevidade. E já que somos ainda jovens criaturas do acaso, deixamos ser adestrados nosso íntimo e nosso natural privando-nos por escolha da livre lapidação de nossa imperfeição, preferindo aceitar os limites que poderiam ser facilmente derrotados se fôssemos um tanto mais interessados na evolução do que no desenvolvimento.
Desenvolver-se é necessário, mas até quando?
É verdade que constantemente podemos transcender a nós mesmos e aqueles antes de nós, mas além de serem modificações superficiais e de difícil consolidação, existe em nós a falta de valorização das conquistas referentes ao estado humano. Somos muito interessados nos ganhos e por apreço ao que conquistamos deixamos esquecer os valores e as disciplinas que foram o respaldo que nos impulsionou. E isso acontece por termos sido ensinados a acreditar que a evolução é uma resposta natural às necessidades sofridas pelas quais passamos de geração a geração. Nós não temos interesse em sermos melhores, queremos ser maiores!
Somos criaturas infladas de ego e não evoluímos por não haver em nós espaço para ponderar sobre o que somos além dessa crisalida de paixões fúteis e doentias.
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