O seu grito foi só barulho.

Imagem da internet

Eu me lembro de ver você pela rua, com suas cores e bandeiras, seus gritos e suas exigências, seu drama e suas soluções fantásticas.
Eu me lembro daquele seu discurso inflamado, articulado, respaldado por ideias tão nobres que ao ouvir você falar, podíamos avistar as mudanças chegando.
E me lembro de cada um dos processos que te fizeram marchar com decisão rumo aos muros de conservadorismo que te impediam de ver o horizonte que você sabia estar tingido de liberdade.

Pena que foi tudo um sonho que te escapou da memória ao acordar!

Hoje eu vejo você pela rua trajando roupas desbotadas, fingindo um riso amarelo, tentando disfarçar uma angústia que te espeta os calcanhares para correr atrás do prejuízo. Um prejuízo que você ainda não soube contabilizar, mas que de muitas formas insuficientes tenta reparar. Lentamente, feito criança depois do recreio, você e aqueles tantos amigos de rostos esquecidos começam a se perfilar em direção à sala de aula da vida para ouvir da professora realidade que vai ter prova em breve.
Eu vejo escorregar das suas mãos suadas de nervosismo tudo aquilo que você acreditou agarrar, mas que de tão pesado ficou pelo caminho te esperando como uma ideologia órfã que vai definhar esquecida no meio de toda a bagunça que você espalhou ao redor para esconder com entulho o que você escolheu não ver.
Ah sim, foi uma escolha, não foi acaso, não foi impulso, muito menos resposta. Você optou com consciência em tentar transformar a vontade em direito. Você escolheu impor a essência por sobre a existência e num comparativo patético e imaturo, quis apontar um futuro utópico como referência positiva contra tudo aquilo que você parecia ter esquecido que era apenas ilusão. Foi só capricho. Foi só barulho. E agora?

Se você não tivesse essa inclinação absurda para o fútil, teria percebido a verdade parada bem ali na sua frente. Não era um fantasma, era o eco do passado, a história repetida tantas e tantas vezes exatamente como vai ocorre logo mais. Mas você, que se afastou da busca por conteúdo, que perdeu o interesse em descobrir e aprender, você não soube filtrar e interpretar os sinais de um padrão que acompanha a humanidade desde que surgiram as primeiras sociedades; multidões são e serão sempre estúpidas.
Não existe mudança sem planejamento quando é uma mudança para muitos. A massa, quando se reúne, não é por consenso lógico, é por paixões; um mar de interesses diversos tentando se conectar pelo calor de um momento permitido, efêmero, conveniente, mas com baixíssimo potencial efetivo. São condutas sem fundamento, alimentadas apenas pela ilusão de necessidade. Você não precisava, você queria!
O querer não é uma instância assim tão poderosa. Quando você olhou ao redor e viu tantos outros querendo do mesmo jeito que você, não soube traduzir qual era o desejo, apenas se enganou com a pobre percepção de que eram aliados. Foi só uma tentativa patética de encontrar semelhanças, um jeito de não sentir solidão quando tudo indicava que a sua vontade jamais seria transformada em uma realidade assegurada.
Agora você não sabe o que fazer já que se encontra só. Tenta se prender a qualquer menção de conformidade. Projeta discursos de defesa para suas ações "juvenis" - que é como você vai chamar no futuro. Tenta se tornar vítima do desamparo, da falta de interesse alheio em te instruir e proteger. Você se recolhe em pensamentos anestésicos e tenta camuflar o desconforto de saber em silêncio que tudo não passou de tempo perdido e desgaste. Você incomodou, atrapalhou, prejudicou, destruiu, mentiu... E não fez absolutamente nada. Chamou a ordem de opressão e instaurou um caos superficial que só serviu para inspirar uma necessidade de ordem ainda maior. Veja o resultado; depois de tanto exigir flexibilidade, depois de tanto invocar os fantasmas da ditadura, depois de apontar as "torturas" de um sistema controlador, você, que jurava estar pronto para ser livre e finalmente tocar as cores daquele horizonte, elegeu um militar como presidente.

Guarde algo pelo resto da sua vida: quando você achar que está lutando por alguma causa justa e ao olhar as pessoas ao redor perceber que elas estão sorrindo como se tudo fosse uma festa, volte pra casa, é causa perdida.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Capítulo 1 - Cada vez que respiramos.

Posse de armas no Brasil.

Mídia; ambiguidade, manipulação, controle e lucro.